Saturday, April 30, 2011

exquisite Figure (I)

absolutamente não me lembro do ano, mas lembro-me absolutamente das pessoas que estavam comigo e do sítio que já nem existe. absolutamente lembro-me dessa fervorosa noite de dedicação a David Bowie: nada que quiséssemos, nada que tivesse sido programado, mas foi.
continuo a dançar e a ouvir e a viver essa noite quando, por todos os acasos, volto a ouvir o Camaleão.
quando penso nessa altura, lembro-me absolutamente desses dois companheiros, meus inseparáveis, dois amigos amantes da música e meus altruístas musicais, por excelência. 
ergo, sozinha, uma taça de champagne por essa altura!

exquisite Figure





David Bowie

Saturday, April 23, 2011

"um beijo no teu coração"

mastigo todos os dias o dia-a-dia antes de chegar às minhas entranhas. mas devo dizer que antes passa tudo pelo meu coração.
há uns tempos, exactamente após o meu último regresso a Luanda, uma amiga escreveu: "minha querida, um beijo no teu coração." Só ela sabe o que isso significou para mim - receber um beijo directo para o meu coração!
assim que li a frase imaginei-a a pegar no meu físico coração e a dar um beijo, como se estivesse a beijar uma bochecha :-)  hum.. estranha, a imagem...
mas logo a seguir imaginei uma espécie de estrelinhas a entrarem dentro do meu corpo com a capacidade de iluminarem o meu pobre coração..
hoje, escrevo este post directamente para ti - o físico, o psicológico, o biológico, o social, o individual coração.
hoje, caminhei debaixo do sol tórrido da difícil Luanda para comprar um conjunto de velas que servem para iluminar e beijar-te, coração.

Saturday, April 16, 2011

Six Feet Under (1)

assim, o que fazer com essa vida?
Vivê-la. e vivê-la com intensidade.
Mas com decisão!

Wednesday, April 6, 2011

o entendimento, para ficar extasiado

O dia em que Te encontrei
e toma a minha mão de musgo devagar
para que o meu entendimento seja
o da árvore
justo e leve

“O tamanho do mundo era excessivo e muito para além das árvores e daquilo que tudo podia conter sem nunca ficar pleno. Tu trazias-me pela mão esse verão de infância distante e foi o tamanho do mundo todo que veio pousar sossegado nos meus olhos. E as árvores tinham folhas de silêncio. E os pássaros voavam mornos e azuis. E a mãe cantava à janela enquanto os rios de luz desciam pelas ruas dessa tarde.
Eu tinha três anos, lembras? Mas naquele dia abriu-se uma pátria na minha mão direita. E a terra, as ervas, as vozes, as sombras dos objectos e o movimento das coisas suspenderam a sua notícia enquanto eu pousava no ar e no rumor que move o mundo. Era como uma música de silêncio e Tu estavas. E ficaste sempre.
Eu tinha este segredo e via que ele crescia como a Grande Tília que há no nosso país. Sim, é verdade, não existe um país como o nosso, e a nossa casa todos os dias se move sobre a água. E foi aí que vi caminhar-Te enquanto anoitecia na areia e nos mares. “Vem”, disseste, e as portas abriram-se como as asas dos estorninhos sobre os telhados da igreja. E eu fui. Foi quando encontrei uma grande ferida no mundo e compreendi que os dias trazem dias, mas nunca o mesmo dia. E que tudo caminha para dentro e para cima sem que algo alguma vez se repita. E voltaste a dizer-me “Vem”, e, como estava junto ao rio, reparei que o meu corpo era só uma forma de acontecer. Movi os pés e aconteceu mover-se o mundo também no meu coração. Então disse-Te “deixa-te estar aqui comigo… É que vejo uma ferida no mundo…” E sorrias quando respondeste “Isso é porque ainda vês dois mundos.” E então fez-se fundo e longo à minha volta e percebi que há uma luz que move o mundo.
Nós somos os teus filhos. Por Ti temos esperado desde sempre. Em tua busca temos percorrido o caminho das cabras, levantado pedras. Seguimos-Te nos dias frios e viramos-Te as costas nos dias mornos. Por Ti se lamentou Simeão enquanto envelhecia na sua longa escada.
Construí, pois, a minha própria escada. Não uma escada sólida, de pedra e cimento ou de madeira dura e com pregos fortes e capaz de suportar as maiores intempéries. Não, a minha escada fi-la de papel azul de água como os girassóis. Foi assim que a quis. Uma escada frágil e incapaz de resistir ao vento: para que quereria uma escada que resistisse à minha própria vida? Assim, todas as vezes que preciso de subir à minha alma e ver o mundo, basta-me erguer os olhos no meu coração. E uso essa escada para quando chegar a Ti: foi quando tinha três anos que compreendi haver no mundo um silêncio em movimento.
E quando acontecem coisas assim não mais são precisas certezas. Foi por isso que construí as minhas escadas em barcos de silêncio. Repara: no sítio onde estou tenho uma porta que dá para o mundo. E foram muitas as vezes que tentaram levar-me por outros barcos, mostrar-me outros locais onde acontece que Tu não estás. Porque a pedra contém o menor e o maior, mas lugar algum pode encerrar o silêncio da luz.
Quando era muito pequeno e os olhos me chegavam para ir a todo o lado, corria atrás da luz e do silêncio das árvores e ansiava encontrar uma casa onde pudesse encontrar todos os Teus indícios. Quando era pequeno desconhecia a falta que fazem certas coisas que perdi e o que é estar à espera de alguém que não volta mais.
Agora, que cresci para além da idade em que as coisas começam a cair, encontro-Te em todo o lado e deixei de Te fazer perguntas.”
Carlos Lopes Pires in Notícias de Leiria, 8 de Fevereiro de 2002